Este blog se constitui numa ferramenta de aprendizagem colaborativa dos alunos da disciplina Direito Internacional Público, do Curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC, ministrada pelo docente Clodoaldo Silva da Anunciação.

domingo, 16 de agosto de 2009

STF avalia se Brasil poderia deter ditador do Sudão

Embora o chanceler Celso Amorim tenha sido taxativo mais de uma vez ao afirmar que o país cumprirá o mandado de prisão internacional contra o ditador sudanês, Omar al Bashir, caso ele viaje para o Brasil, no STF (Supremo Tribunal Federal) o tema suscita dúvidas.
Após receber um pedido sigiloso do Itamaraty, a mais alta corte do país começou a analisar, no último dia 17, a ordem emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Bashir por crimes de guerra e contra a humanidade. O sigilo foi rejeitado, mas não a análise.
Em avaliação preliminar, o STF evoca possíveis inconsistências entre o mandado de prisão do TPI e a Constituição. Uma delas é a hipótese de Bashir ser condenado à prisão perpétua, pena proibida no Brasil.
"A matéria suscita reflexões em torno do TPI e do Estatuto de Roma, ainda mais em face das diversas objeções que têm sido expostas por eminentes doutrinadores", ponderou o ministro Celso de Mello. Num despacho de 19 páginas, Mello lembrou a controvérsia sobre a incorporação dos termos do estatuto, que criou o TPI, ao ordenamento jurídico brasileiro.
"Há uma tensão entre alguns dispositivos do Estatuto de Roma e a Constituição no campo das garantias penais", diz Oscar Vilhena, diretor da organização de direitos humanos Conectas e professor da Escola de Direito Constitucional da FGV-SP.
A discussão sobre supostas incompatibilidades entre o TPI e a Constituição não é nova e divide juristas desde a ratificação pelo Brasil do Tratado de Roma, em 2002. Mas agora ganha relevância por haver um pedido concreto ao Brasil e contra um líder em exercício.
Para muitos juristas, o Estatuto de Roma foi incorporado à ordem jurídica brasileira com a emenda 45, de 2004. Mas o próprio ministro Celso de Mello aponta ruídos que indicam 'a alta relevância do tema e a necessidade de discussão, por esta Suprema Corte, de diversas questões que emanam da análise concreta deste pleito'.
Um exemplo é o artigo 27 do Estatuto de Roma, que considera irrelevante se o réu é chefe de Estado. O Brasil, por tradição, reconhece a imunidade diplomática do dirigente.
Vilhena aponta que o estatuto se choca com garantias fundamentais brasileiras, "cláusulas pétreas" que não podem ser mudadas nem por reforma constitucional --como a proibição da pena perpétua.
Mas não acredita que isso impediria a prisão de Bashir caso ele visite o Brasil. "Esse problema pode ser resolvido se o TPI se comprometer a não aplicar uma pena maior do que 30 anos [máximo permitido no Brasil]. Assim, o STF não teria por que negar", diz Vilhena.
Embora o tema por enquanto se restrinja a debates nos meios especializados, ele pode se transformar em problema real no mês que vem, quando Bashir é esperado em Caracas no encontro África-América do Sul, para o qual foi convidado por Hugo Chávez, cujo país é um dos 110 signatários do TPI.
Texto de Marcelo Ninio

16 comentários:

  1. Muito interessante a questão levantada. Novamente estamos diante de um conflito entre tratados internacionais ratificados pelo Brasil e os dispositivos da nossa Constituição, como ocorreu com o Pacto de Sâo José no tocante a prisão civil por divida. Caberá novamente ao STF a palavra final acerca da aplicabilidade no territorio nacional do mandado de prisão do lider Sudanês. Ao meu ver inaplicável.

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  3. Realmente a matéria é muito interessante.Pelo que consta na referida matéria, o chanceler Celso Amorim assegurou que o país cumprirá o mandado de prisão internacional, no caso de viagem do ditador sudanês para o Brasil. É importante o estudo dos tratados por conta destas questões, já que, aparentemente, há uma incongruência entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal do Brasil. Cumpre ao STF a palvra final nesse caso. Agora, é aguardar...

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  4. Esse problema pode ser resolvido se o TPI se comprometer a não aplicar uma pena maior do que 30 anos ,máximo permitido no Brasil. Assim, acredito que o STF não teria por que negar.Embora o tema por enquanto se restrinja a debates nos meios especializados, ele pode se transformar em problema real no mês que vem, quando Bashir é esperado em Caracas no encontro África-América do Sul, para o qual foi convidado por Hugo Chávez, cujo país é um dos 110 signatários do TPI.

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  5. Realmente o Brasil, por tradição, reconhece a imunidade diplomática do dirigente. Entretanto, o art. 27 do Estatuto de Roma, que considera irrelevante se o réu é chefe de Estado, diante disso torna-se evidente que o assunto é polêmico, haja vista, que o estatuto se choca com garantias fundamentais brasileiras, "cláusulas pétreas" que não podem ser mudadas nem por reforma constitucional -como a proibição da pena perpétua.

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  6. AL-BASHIR, é acusado de ter cometido crimes de guerra, e contra a humanidade, crimes que se encontram tipificados nos artigos 7º e 8º do Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário.
    Correntes doutrinárias várias abordam aspectos da legislação brasileira vis-a-vis com o Estatuto de Roma e faz a diferença entre os institutos jurídicos, em especial àqueles referentes à entrega e extradição, previstos no Direito Internacional Publico. O Ministro Celso de Mello - STF - acha que a extradição só pode ter sua autoria por um Estado soberano - nunca por organismos internacionais. Prossegue o Ministro, o fato de Al-Bashir ser cheffe de um Estado soberano, nada impede sua detenção e posterior entrega - caso em que o procurado esteja em território nacional.
    O Tribunal Penal Internacional - TPI- é um organismo judiciário e permanente, com jurisdição penal, e poderes para processar e julgar aqueles que tenham cometido tais crimes.
    Para o caso brasileiro, eminentes doutrinadores apontam inconsistências entre os dispositivos do TPI, e da CF88, exemplificando que uma delas é a possibilidade de Al-Bashir ser condenado à prisão perpétua (o que é proibido no Brasil).
    Outra corrente de doutrinadores afirma que o Estatuto de Roma foi incorporado à ordem jurídica pátria com a emenda 45/2004. Tenha-se ainda em consideração que o Brasil tem tradição de reconhecer a imunidade diplomática de dirigentes de outros países. Assunto controverso, o tema presentemente acha-se circunscrito aos debates e discussões no meio jurídico.
    Entendo que não há qualquer entrave que justifique a não detenção e entrega do atual Presidente do Sudão, desde que respeitado em sua integralidade o texto Convencional do TPI e a legislação brasileira e, obviamente o Presidente Omar al-Bashir esteja em solo brasileiro.
    Creio que se o Brasil detiver e entregar o Presidente do Sudão, responsável pela morte de 300.000 pessoas, estará cumprindo o seu papel no seio da Comunidade Internacional e acima de tudo estará cumprindo o prescrito na Constituição da República de 1988, no tocante aos princípios que regem essa Nação em suas Relações Internacionais (art. 4º, II, CR/88).
    Contudo, entendo que a pena não deve ultrapasse a 30 anos de prisão, máxima permitida pelo Brasil. Pois se assim não for, estaria violando nossa ordem interna que proíbe prisão perpétua.

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  7. Com toda certeza esta será a oportunidade para que o tribunal defina os termos da constitucionalização do Estatuto de Roma no Brasil. Esta foi a primeira vez que o Tribunal Penal Internacional dirigiu-se ao governo brasileiro e será também a primeira vez que o Judiciário irá se posicionar a respeito. Resta-nos aguardar o resultado...
    O fato é que com a Emenda Constitucional 45, no entendimento de muitos estudiosos, o Brasil submeteu-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, devendo cumprir as suas solicitações.

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  8. Na esteira do comentário da colega Sandra, mencionando o artigo 4º de nossa Constituição Federal, é pertinente, nesse caso, a lembrança do inciso IX, que destaca a cooperação para o progresso da humanidade como um dos princípios que regem o Estado brasileiro internacionalmente. Em busca desse mesmo ideal de cooperação entre os povos, foi criado pelo Estatuto de Roma, em 2002, o TPI, instituição com jurisdição sobre autores de crimes de maior gravidade com alcance internacional.
    O texto do Estatuto, em oportunidades diversas, declara sua natureza complementar em relação às jurisdições nacionais e ao direito interno de seus membros (arts. 1º e 88), mostrando o cuidado de não se contrapor às legislações pátrias e, consequentemente, evitar qualquer ameaça à soberania dos Estados. Dito isso, gostaria de levantar a discussão sobre as famigeradas "cláusulas pétreas" constitucionais do §4º do art. 60, particularmente o inciso IV que assinala as garantias individuais como insuscetíveis de abolição. O fundamento desse parágrafo é o resguardo de princípios mínimos estruturais do Estado Democrático Brasileiro contra qualquer ameaça a sua organização e funcionamento, ameaça essa que definitivamente não ocorre pela ratificação do texto convencional. Já em matéria específica das garantias individuais, existe o antagonismo mais evidente entre a proibição da pena perpétua (art. 5º, XLVII, "b" da CF/88) e o art. 77, "b" do Estatuto, que a prevê. No meu entender, tal previsão do TPI não fere, nesse caso do ditador sudanês Omar al Bashir, nossos direitos e garantias individuais, posto que esses se estendem, pela leitura do próprio caput do artigo 5º da CF, "aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País".
    Portanto, sem deixar de reconhecer a polêmica da questão e a validade das opiniões divergentes, entendo que o Brasil, em recebendo o pedido de detenção e entrega do ditador pelo TPI, deve procedê-las, cumprindo seu papel de signatário do tratado. Quanto à possibilidade de negociação diplomática para que haja um comprometimento do TPI em fixar o limite máximo da pena em 30 anos, entendo como uma solução viável, mas discordaria de uma postura do Itamaraty no sentido de condicionar a detenção e entrega do ditador à aceitação da regra penal brasileira, pois seria um enfraquecimento da autoridade do Tribunal, além de uma demonstração mundial de indisposição à cooperação em prol dos direitos humanos - caso o TPI não aceite a condição.

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  9. Depois de lida a notícia e as opiniões esposadas pelos demais colegas, fico com o posicionamento favorável a prisão do famigerado sudanês, desde que não ultrapasse os 30 anos prescritos pelo ordenamento interno.
    Ademais o TPI é um grande avanço para a comunidade internacional, sobretudo para esses crimes que arrepiam o homem médio. O Brasil deve cooperar para o fortalecimento do TPI.

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  10. Muito se tem discutido se haveria ou não a prisão do ditador Omar al Bashir,na hipótese deste adentrar as nossas fronteiras , o que me espanta (ou talvez nem tanto )seria o Presidente Lula receber com honras de Chefe de Estado um genocida . Ou seja ao meu entender ao acolher-lo , estaríamos violando a nossa própria Constituição, que elegeu como bem jurídico máximo a vida e a liberdade dos indivíduos . Se o Brasil assinou o Estatuto de Roma , sem condições de viabilizá-lo no seu plano interno, não o assinasse, pois o mesmo Estatuto prevê dentre as suas cláusulas, que não admite reserva, como assevera o Prof. Luís Fernando Sgarbossa

    “ a3. O Estatuto não admitia reservas, logo não havia alternativa que não fosse a adesão.Não admitindo reservas o texto do tratado, não restava alternativa aos Estados-parte senão aquela de a ele aderir integralmente e, ademais, tendo havido consenso, não há que se objetar com o direito interno para recusar-se a adimplir as obrigações internacionais que do instrumento derivam.”

    Tecnicamente pra o Estatuto de Roma, não se configura como extradição e sim como entrega , como prevê o Art. Abaixo

    "Artigo 89 Entrega de Pessoas ao Tribunal
    1. O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos.
    2. Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega perante um tribunal nacional com, base no princípio

    Sobre o tema, KLAUS KREB:
    "Uma minoria significativa de delegações objetou quanto à inclusão da prisão perpétua argumentando com sua respectiva Constituição interna. A exclusão da pena de morte e de prisão perpétua significaria a impossibilidade de alcançar-se o consenso. O único caminho era o da aceitação desta última, com alguns requisitos, que acabaram por ser basicamente dois: primeiro, somente poderia ser imposta, justificada pela extrema gravidade do delito (art. 77 (1) (b)). Depois, de muito maior importância prática, a imposição dessa pena deve vir conjugada com a obrigatória revisão da sentença prevista na parte 10, de acordo com o art. 110 (3), segundo o qual a Corte fará a revisão após vinte e cinco anos verificará se deverá ou não ser a pena reduzida. Os fatores relevantes estão contidos no art. 110 (4). O mecanismo de revisão obrigatório foi crucial para a obtenção do consenso, tendo sido apoiado pela maioria dos Estados europeus cuja Constituição, de uma forma ou de outra, impedem a aplicação da prisão perpétua." [19]

    Daí meu questionamento , qual a finalidade de assinar um Estatuto de Direitos Humanos, se o Brasil não pode viabilizá-lo no plano interno, foi uma questão puramente política ??

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  11. Omar Al Bashir é acusado de cometer crimes de guerra e de lesa-humanidade durante conflito armado em Darfur, a oeste do Sudão e o TPI (Tribunal Penal Internacional) responsabiliza-o pela morte de mais de 300 mil seres humanos. Tanto que expediu ao governo brasileiro, petição com pretensão para que prenda e entregue o Presidente da República do Sudão, caso ele chegue no Brasil. Trata-se de caso único o pedido de detenção e entrega de Presidente da República de outro Estado soberano, em pleno exercício de seu mandato, encaminhado pelo TPI ao governo brasileiro. Fala-se em questionamentos legais em relação à legalidade do indiciamento e possível ordem internacional de prisão contra o presidente Omar Al Bashir, e se o mesmo tem direito à imunidade ou não. O Brasil por tradição, reconhece a imunidade diplomática de dirigentes de outros países e que no meio jurídico é bastante discutido. O fato de que o Sudão não ser um signatário do Estatuto de Roma, estabelecido pela Corte Criminal, abre o questionamento sobre se este estatuto só pode ser imposto sobre estados signatários, e não sobre outros que não o são, como os Estados Unidos, e se a resolução do conselho de segurança 1593 que envia o caso a corte deve ou pode implicar na remoção da imunidade de um chefe de Estado em exercício. Como existem dúvidas por parte dos juristas e doutrinadores do Ramo do Direito Internacional Público quanto à aplicação e incorporação dos dispositivos do estatuto de Roma que trata da jurisdição do TPI, cabe ao STF, com muita sabedoria decidir esses questionamentos.

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  12. A questão torna-se ainda mais complexa por haver um pedido concreto e contra um líder político em exercício.Entretanto cabe pertinência e analise minuciosa por parte do STF ao cumprir tal determinação do TPI pois a questão não trata somente do cumprimento de um mandado de prisão internacional contra o ditador sudanês e sim violação de normas constitucionais, desrespeito as clausulas petreas, sobretudo, no campo das garantias penais onde prevê a pena maxima de 30 anos.
    Concordo que os motivos que considerou necessário prender Al-Bashir podem ser classificados basicamente como genocida: crimes de guerra e crimes contra a humanidade, perpetrados sob sua liderança na região de Darfur, além de negar todas as acusações e não dá nenhum valor à sentença dada pelo tribunal.
    Portanto o desafio persiste e deverá o Tribunal examinar a viabilidade de uma solução que ofereça o equilibrio adequado entre a competencia do Tribunal em salvaguardar a Constituição e a efetiva inserção do Brasil no cumprimento de Tratados Internacionais.

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  13. De fato, não podemos vislumbrar uma condenação maior que a máxima da permitida no direito interno. A vingar tal entendimento, o Brasil estaria rasgando sua Constituição com o fito de respeitar o tratado de Roma, o que nos parece absolutamente descabido. Por outro lado, não se pode fechar os olhos para crimes tão monstruosos. O Brasil deve exercer um papel proativo no cenário internacional, afinal não se conquista respeito com omissão.

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  14. Por: Dorgival Neto
    Neste caso concreto há um conflito entre a Constituição Federal brasileira e o Estatuto de Roma. E na prática o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirma que o país cumprirá o mandado de prisão internacional, caso do ditador sudanês venha aportar no Brasil. Já o STF que já rejeitou o sigilo do pedido do Itamaraty e apontou diversas incongruências entre a nossa Carta Magna e o Estatuto de Roma,agora analisa o mérito da ordem expedida pelo Tribunal Penal Internacional. Caberá ao STF decidir sobre a aplicabilidade do mandado de prisão do líder Sudanês no território nacional.

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